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Literatura Brasileira: identidade nacional como ato político

  • Foto do escritor: Deborah Dietrich
    Deborah Dietrich
  • 1 de mai. de 2021
  • 5 min de leitura

Atualizado: 6 de mai. de 2021


Apesar de ser conhecida como uma data comemorativa referente ao dia do trabalhador, no primeiro dia do mês de maio também se comemora o dia da literatura brasileira. A data foi escolhida em homenagem ao aniversário de José de Alencar, romancista, dramaturgo, jornalista, advogado, político e considerado o representante mais importante do Indianismo. Normalmente, a abordagem sobre o primeiro movimento literário brasileiro é pautada no Quinhentismo, envolvendo as cartas e os documentos escritos durante a chegada de Portugal

José de Alencar (1829-1877)

no Brasil, envolvendo as Grandes Navegações e a Contrarreforma Católica. Todavia, o crítico literário Antonio Candido, em seu livro “Formação da Literatura Brasileira”, afirma que a composição de uma literatura deve apresentar emissores (autores), receptores (público leitor) e um mecanismo de transmissão interligado (linguagem). Dessa forma, não seria possível considerar o Quinhentismo como literatura, diante das manifestações literárias restritas a um objetivo informativo produzido no Brasil, mas não por uma composição brasileira ou voltada para um público nacional.


“O conjunto dos três elementos (emissor, receptor e linguagem) dá lugar a um tipo de comunicação inter-humana, a literatura, que aparece sob este ângulo como sistema simbólico, por meio do qual as veleidades mais profundas do indivíduo se transformam em elementos de contato entre os homens, e de interpretação das diferentes esferas da realidade”.

Antonio Candido em “Formação da Literatura Brasileira”.


Luta por uma identidade


A renovação dos aspectos literários no Brasil possui uma relação inseparável entre o sentimento nacionalista.. O senso de dever patriótico se transformou em uma meta de progresso nacional, resultando em um período artístico que unia a individualização nacional aos traços peculiares da estética romântica. A literatura se ressaltou não somente como um processo artístico, mas também como um método de consolidação do caráter nacionalista do país.

Apesar de que o Romantismo foi um movimento intelectual originado na Europa, o Brasil adotou a necessidade da identificação de características para a construção de um projeto de nação e de uma identidade nacional. Diante da condição histórica de colônia vivenciada no Brasil, o patriotismo foi o maior símbolo de independência política e de anticolonialismo, fator que, consequentemente, motivou a busca por uma literatura tipicamente nacional por meio da autovalorização.

Com o intuito de viabilizar projetos literários que auxiliassem na criação de uma literatura nacional, escritores que envolviam desde Domingos José Gonçalves de Magalhães, João Manuel Pereira da Silva e Cândido de Azevedo Coutinho, se reuniram para discutir sobre o progresso nacional pendente no Brasil. Esse encontro proposto para definir a literatura como um movimento que promovesse a independência social e política brasileira recebeu o incentivo de diversos intelectuais, como de Januário da Cunha Barbosa e Evaristo da Veiga. Além disso, a publicação de um comunicado sobre a situação da cultura brasileira na revista do Instituto Histórico de Paris foi um ponto de partida fundamental para o início do reconhecimento da particularidade cultural brasileira.

Antonio Candido também aborda em “O Nacionalismo Literário” o impacto do fim do Arcadismo na busca de uma literatura tipicamente brasileira. Sendo um movimento marcado pela valorização da cultura clássica e, consequentemente, de obras renascentistas, o impacto da decadência do Arcadismo se conciliou com o sentimento nacionalista brasileiro e, dessa forma, surge a vontade e a necessidade de desenvolver uma literatura tipicamente nacional. Assim, deu-se início ao Romantismo no Brasil e, em sua primeira fase, ao Indianismo, estando estritamente ligado à procura de traços tipicamente brasileiros após a declaração oficial da Independência.

“Antes do modernismo, o Brasil era um país português com modos culturais franceses.”

Mário de Andrade


Candido ainda reforça que o desenvolvimento do Romantismo sofreu influências do processo de Independência, desencadeando aspectos fundamentais no movimento. Dessa forma, a vontade de exprimir o orgulho patriótico, de criar uma literatura independente e da compreensão da literatura como uma “tarefa patriótica” demonstram anseios pautados na liberdade e emancipação de uma nação por meio da arte.


José de Alencar e a idealização nacional


A busca por uma forma mais legítima de representar o Brasil em um formato literário se consolidou no Romantismo por meio de um conjunto de estudos, que se aprofundaram no passado nacional. Diante da busca pela “especificidade brasileira”, a literatura passou a retratar um extremo oposto do que foi vivenciado historicamente no país, apresentando um louvor ao indígena e menosprezando o português, realizando uma equiparação de personagens dominadores e dominados.

A reunião dessas características resultou na primeira fase romântica brasileira: o Indianismo. Essa peculiaridade resultou no processo de individualização nacional por meio da autonomia estética e política e, com as tendências românticas do lirismo individual, a conquista do direito de exprimir abertamente os direitos pessoais. É possível relacionar os processos identitários ocorridos durante o Romantismo no Brasil com a narrativa indianista de José de Alencar, sendo um escritor de grande importância e atuação durante a formação da identidade brasileira.

A valorização da diversidade nacional encontra na imagem do indígena um foco principal, o que dá início às produções artísticas para imagens alegóricas do índio, como uma marca territorial. Por essa relação, o movimento é chamado de Indianismo, momento em que ocorreu a elaboração ideológica da identidade brasileira.

Sobre os romances de José de Alencar, pode-se dar ênfase na obra “Iracema”, que propõe a idealização do índio, do bom selvagem, e suas relações harmônicas e amorosas com o homem branco. Por essa perspectiva, torna-se perceptível a afirmação cultural da valorização da antiguidade brasileira no canto indianista de Alencar, que acaba promovendo uma discussão de um imaginário nacional.


Conexões entre o Romantismo e o Modernismo


No Brasil, o processo tardio de independência resultou em reflexos socioculturais complexos, em que a nacionalidade não possuía traços valorativos, únicos e reconhecíveis. Separados por séculos, é possível afirmar que o Romantismo e o Modernismo se conectam entre o sentimento patriótico despertado no período romântico e a busca pela identidade nacional durante o Modernismo brasileiro, relacionando os principais escritores dos dois movimentos: José de Alencar e Mário de Andrade. Uma vez relacionada ao objetivo de construir um “projeto de nação”, a análise da composição artística nos dois períodos possui uma relação direta sobre a formação da sociedade brasileira, compreendendo a presença da ambição por uma identificação reconhecida e da propagação do pensamento nacionalista.


Mário de Andrade (1893-1945)


Mário de Andrade, além de poeta, romancista, musicólogo, historiador de arte, crítico e fotógrafo, foi um dos fundadores do Modernismo no Brasil. Com posicionamentos e pensamentos nacionalistas, Mário também tinha a intenção de promover uma literatura nacional, atuando também como colecionador e pesquisador da cultura brasileira, principalmente sobre o folclore. A coleção do escritor é reconhecida mundialmente, sendo considerado também como um grande gestor cultural.

"Minha obra toda badala assim: Brasileiros, chegou a hora de realizar o Brasil".

Trecho de carta de Mário de Andrade (1924)


Paralelamente à “Iracema”, de José de Alencar, Mário apresenta em “Macunaíma” uma das obras mais importantes do Modernismo. Diante de suas pesquisas, o escritor propõe o multiculturalismo por meio de uma reunião de especificidades culturais. Assim, a complexidade da leitura, ao se afastar da língua portuguesa comumente pronunciada no meio comum e se aproximar de outras expressões orais, e a reconstrução da figura indígena e do folclore proporcionaram a continuação da busca pela sintetização da nação brasileira de uma forma pluralística e consciente da diversidade cultural do país.


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