“Viagens Extraordinárias”: teatro resgata clássicos da literatura de Júlio Verne
- Letícia Anacleto
- 5 de ago. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 6 de ago. de 2022
As peças, disponíveis no CCBB de Belo Horizonte até o dia 8 de agosto, resgatam as histórias clássicas do autor e auxiliam no incentivo à cultura.

Durante os meses de julho e agosto o Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte (CCBB BH) está recebendo a trilogia teatral “Viagens Extraordinárias”. Produzido pela companhia de teatro Solas de Vento, o espetáculo conta com três peças adaptadas de histórias clássicas do escritor francês Júlio Verne.
A aventura começa com o lorde inglês Mr. Fog e seu criado, Passepartout, tentando dar “A Volta ao Mundo em 80 Dias”. A dupla passa pela Europa, Egito, Índia, China, Japão e Estados Unidos, conhecendo diversas culturas e enfrentando um vilão atrapalhado que faz de tudo para tentar sabotar a viagem.
A segunda peça retrata a história de “Viagem ao Centro da Terra”, levando o público a se aventurar por um mundo subterrâneo repleto de perigos e descobertas. A última parte, que segue em cartaz até o dia 8 de agosto, transporta a plateia para o mar profundo em “20.000 Léguas Submarinas”.
Elementos narrativos
Apesar de encenar histórias originais da literatura e que já foram retratadas em filmes, a Cia Solas de Vento utiliza de elementos narrativos que diferenciam essas histórias das demais. Em toda a trilogia são utilizadas peças de ferro, montadas pelos próprios atores durante os espetáculos, que simulam objetos, meios de transporte e diversas outras situações que despertam a imaginação do público.
Dessa forma, um pedaço de cano facilmente se torna um trem que leva as personagens pela europa, ou um elefante que ajuda-os a passar por uma floresta ou, até mesmo, um barco para atravessar o oceano. O ator circense e diretor, Ricardo Rodrigues, interpreta alguns papéis na trilogia e conta que esse trabalho físico com traços do circo e da dança é um marco dos trabalhos da Solas de Vento. “Nós temos a manipulação de objetos, que é originalmente uma cama, mas que se transforma em tudo o que a gente precisa. Ela vem como esse elemento circense, esse aparelho onde a gente se coloca nele, que é também nosso cenário”, explica.
Para o ator, bailarino e diretor francês, Bruno Rudolf, a escolha das histórias de Júlio Verne também contribui para o uso dessas ferramentas e da liberdade criativa da peça. Segundo Bruno, tudo surgiu com o desejo de retratar o tema das viagens, já constante na Cia: “quando em 2010 nós quisemos criar um primeiro espetáculo especificamente infantil, a gente estava com esse imaginário, a gente tem essa linguagem circense, então ele (Júlio Verne) trazia muitas imagens que podiam ser usadas com técnica circense, como barcos, velas, trem, aventuras acrobáticas”.
Outro aspecto importante para a narrativa do teatro é o uso de câmeras que projetam vídeos ao vivo no telão que fica ao fundo do palco. Ricardo explica que, primeiramente, foi pensado em utilizar vídeos pré gravados, mas que a ideia acabou mudando. “A gente resolveu fazer essa vídeo projeção ao vivo o tempo todo. E aí começou a ganhar espaço para esse jogo de um ator estar na câmera que está gigante no telão, conversando com outro que está no palco, e o público vê tudo isso mas compra a brincadeira”, ressalta o ator.
Ao todo são utilizados três equipamentos de vídeo, sendo um deles focado em um livro que auxilia na construção do cenário dos diferentes países e outro para eventuais aparições de diferentes personagens. A terceira câmera, localizada no teto, é a que mais chama a atenção por captar imagens de cima para baixo. Dessa forma, quando as peças de ferro são montadas no chão, o público é capaz de visualizar diversas possibilidades, como um trem em movimento por exemplo.

Os atores utilizam de peças dispostas no chão para simular situações que são retratadas no telão do teatro.
O vídeo possibilita a aproximação do público, que passa a entender melhor como aquele cenário é construído e quais materiais são utilizados, mas sem perder a magia da fantasia. Assim, quem assiste as peças sabe que o mar que aparece no telão trata-se, na verdade, de um disco de vinil pintado de azul girando, mas compra a ideia de que as personagens estão no meio do oceano.
Bruno aponta que além de despertar o imaginário, isso também contribui para a aproximação do público infantil. “Eu acho que tem nessa brincadeira de usar o vídeo ao vivo com essa geração de crianças que nascem com contato direto e constante com imagens e que não sabem, necessariamente, como essas imagens são construídas”, comenta o ator e acrescenta: “a gente compartilha com as crianças essas construções de cada imagem. [...] A gente sempre tem essa brincadeira de revelar e encantar ao mesmo tempo com essa brincadeira do vídeo”.
Resgate Cultural
Com aspectos narrativos que aproximam o público, a trilogia “Viagens Extraordinárias” promove, para além do entretenimento, o resgate cultural. As histórias clássicas retratadas nas peças possibilitam ao público que, talvez nunca tenha lido Júlio Verne, tenha acesso a esse tipo de conteúdo.
Isso é algo positivo, considerando que grande parte dos brasileiros não é adepta aos livros. De acordo com a última pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, divulgada pelo Instituto Pró-Livro em 2020, apenas 52% da população possui hábitos de leitura. Os dados apontam que, em média, cada pessoa lê cerca de 4,2 livros por ano.
Considerando esse baixo nível de leitura no Brasil, a professora e pesquisadora na área de cultura da PUC Minas, Junia Miranda, acredita que o teatro é uma boa forma de oferecer acesso a esses conhecimentos. “A possibilidade das pessoas terem acesso a uma peça teatral e que trata de outras obras de arte, adaptando por exemplo, os livros do Júlio Verne, isso democratiza e populariza em termos de obras que são clássicas”, explica a professora.
O resgate de obras que pertencem a gerações anteriores por meio do teatro, se mostra como uma das maneiras de fazer com que a população tenha acesso aos bens culturais. Por isso, Junia destaca que a reencenação é uma forma interessante de atualização e inserção dessas obras para as gerações atuais: “o teatro, hoje, cada vez mais caminha nessa linha da interação e participação do público, de aproximar a linguagem”.
Apesar de retratar histórias divertidas e de aventuras, a escrita de Júlio Verne pode ter um nível complexo. Nos livros, o autor mostra como funcionavam as tecnologias de sua época de forma bastante descritiva e, por isso, a leitura pode acabar se tornando cansativa para algumas pessoas.
Bruno comenta que o “motor” de Verne era a curiosidade de conhecer e de transmitir essas informações por meio de suas histórias. Para o ator, o teatro também é capaz de proporcionar esse conhecimento de uma forma ainda mais acessível: “eu acho que isso que a gente tenta resguardar, tirando talvez essa parte mais tecnológica, mais difícil da escrita dele, e trazer mais pro lugar da aventura que ele propõe”.
Já Ricardo acredita que essas histórias sempre estiveram inseridas, de alguma forma, no imaginário coletivo, seja por meio de adaptações do cinema, das artes plásticas, dos quadrinhos e, inclusive, do teatro. “A gente soma com essa vontade de deixar o lúdico presente, a gente gosta de deixar mais esse registro para que as crianças, e a gente também, tenha esse resgate imaginário, desse mundo possível de imaginar”, comenta com emoção.
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