top of page

Dickinson: 135 anos após sua morte, maior poetisa dos EUA continua relevante

  • Foto do escritor: Dara Russo
    Dara Russo
  • 16 de mai. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 17 de mai. de 2021

Apple TV+ / 2019

Considerada a maior poetisa dos Estados Unidos, Emily Dickinson é um dos mais importantes expoentes da literatura inglesa. Mas, para além de suas obras de métrica inovadora e sua inegável qualidade poética, devido a sua vida pessoal obscura e a obtenção póstuma de reconhecimento, a figura enigmática de Dickinson ainda é objeto de inspiração na cultura pop. Neste dia 15 de maio, completaram-se 135 anos de sua morte e nunca foram vistas tantas adaptações da vida e obra da poetisa nas telas. Os filmes A Quiet Passion (2016), Wild Nights With Emily (2018) e a série Dickinson (2019) são obras recentes, de tom biográfico, que demonstram a relevância da escritora.

Marcela Santos Brigida, mestre em Literaturas de Língua Inglesa pela UERJ, membro da Emily Dickinson International Society (EDIS) e autora do blog Emily Dickinson Brasil, afirma que, em um nível essencial, a poetisa seguirá sempre relevante para leitores de poesia. Ela explica que a qualidade da obra de Dickinson foi reconhecida imediatamente após a publicação original, reiterada a cada nova edição e renovada pela publicação da edição de Johnson na década de 1950. “Em um sentido mais amplo, diria que a relevância da obra está na longevidade de sua linguagem e da facilidade com a qual diferentes contextos históricos revestiram os poemas de novos significados”, completa.


Modernidade e passado se convergem de forma leve


Produzida pela Apple TV+, “Dickinson” é uma comédia dramática que foge dos moldes tradicionais de adaptações históricas. Através de um anacronismo (atribuição de costumes e/ou valores de uma época a outra) intencional e cômico, a produção criada pela estadunidense Alena Smith utiliza a figura e as obras de Emily Dickinson para ilustrar questões sociais ainda presentes nos dias atuais, como sexualidade e misoginia. Na série, acompanhamos a juventude de Emily (interpretada por Hailee Steinfeld), que é retratada como uma jovem-mulher excêntrica, progressista e que não se encaixa nos padrões exigidos por sua época.

Apesar de representar a vida da escritora, "Dickinson" não se reduz a apenas uma biografia com foco nos mistérios da vida pessoal e amorosa da poeta de Amherst. As poesias de Emily também são exaltadas: seus trechos nomeiam cada episódio, transformando-as em uma espécie de personagens invisíveis que guiam a trama. Outro aspecto interessante abordado é o da composição dos poemas. As inspirações de Emily aparecem na forma de visões e devaneios, trazendo também um tom fantasioso à adaptação. Com isso, o espectador acompanha a produção dos textos e pode observar seus aspectos não convencionais (e que se tornaram característicos à poetisa), como o uso de travessões e a falta de títulos.

Tal como a série Reign (2013) ou o musical da Broadway Hamilton (2015), que subvertem as noções de adaptações de época, “Dickinson” é ambientada no século XIX, mas seus personagens utilizam uma linguagem informal e têm atitudes da atualidade. Gírias, palavrões e a trilha sonora do século XXI, ornam com o contexto histórico, aproximando a realidade da escritora com a atual e trazendo o humor. Alguns dos temas abordados, de forma irreverente e irônica, são a sexualidade e a emancipação feminina, tal como os questionamentos acerca do “papel da mulher”.

Ademais, repleta de referências à figura da poeta criada pelo imaginário público - como a excêntrica dama de branco, já que no primeiro episódio todas as roupas de Emily são brancas - a série foca, em suas duas temporadas, respectivamente, na relação da autora com a morte e com a fama, temáticas frequentemente associadas à escritora. Marcela ressalta que biografias ficcionalizadas, como “Dickinson”, não são novidade na arena dickinsoniana. A peça teatral The Belle of Amherst (A bela de Amherst, em tradução literal), escrita por William Luce em 1976, foi uma das primeiras adaptações da vida de Emily Dickinson e objeto de uma série de revivals.


Série usa do lúdico e fantasioso para ilustrar a poesia de Dickinson

A obra de Dickinson e os perigos de uma abordagem unidimensional


É natural que grandes escritores tenham mitos associados a si próprios e, com Emily Dickinson, não é diferente. Em seu artigo “De anjo do lar a ícone protofeminista: os problemas da aplicação de uma abordagem biográfica-historicista à obra de Emily Dickinson”, Marcela aponta a necessidade de se questionar a unidimensionalidade comumente atribuída à vida e à obra da autora. “Ao longo das décadas, buscas nos registros disponíveis da vida da poeta aplicadas a uma interpretação de sua poesia resultaram tanto em uma Dickinson conservadora quanto em uma poeta radical, dependendo de quem lê”, aponta.

Desde os primeiros momentos em que a poesia de Dickinson foi disponibilizada para leitura do público, editores e jornalistas construíram a imagem da autora conforme aspectos de sua vida pessoal. Com isso, a escritora foi descrita tanto aos moldes do Anjo do Lar de Patmore, quanto como um ícone protofeminista. “Em ambas as instâncias citadas no artigo, noções – não raramente equivocadas – sobre a vida da escritora serviram de suporte para chegar a conclusões acerca da poesia, não a leitura dos versos”, completa Marcela.

A leitura de Dickinson a partir de uma ótica que busca seu sentido no pouco que se sabe da vida pessoal da autora engessa a apreensão de sua extensa obra poética. Marcela ressalta que a própria poetisa desejava que sua poesia fosse sua ‘carta para o mundo’, argumento que alimenta a discussão acerca da relação entre sua vida e obra. “Ela trabalhou arduamente para que seus poemas fossem preservados, mas instruiu Lavinia (sua irmã) a se desfazer de suas cartas”.

Quanto às inúmeras adaptações culturais da autora e de sua obra ao longo dos anos, a série da Apple TV+ se mostra como uma excelente porta de entrada para que mais pessoas adentrem no mundo dickinsoniano. Além de produções visuais, os poemas líricos de Dickinson são frequentemente adaptados por compositores e musicistas. Mas, em formatos que exigem enredo, é compreensível que as narrativas ficcionalizem a vida da poetisa. É nesse sentido, atravessando biografia e ficção, que a série “Dickinson” se destaca, pois apesar de retratar e especular a vida da autora, destaca seus poemas, envolvendo e instigando seu espectador a buscar mais sobre sua importância literária.


Comments


  • Instagram - White Circle

© 2021 por Jornalismo em Cena

bottom of page