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"Em um Bairro em Nova York": sonhos, representatividade e a importância de um blockbuster latino

  • Foto do escritor: Dara Russo
    Dara Russo
  • 9 de jul. de 2021
  • 4 min de leitura

Warner Bros.

Depois de uma longa espera causada pela pandemia, o musical In The Heights (ou “Em um Bairro em Nova York'', na tradução para o português) estreou simultaneamente nos cinemas e na plataforma digital HBO Max no dia 17 de junho. A superprodução, considerada o blockbuster do verão norte-americano, é baseada no musical da Broadway homônimo que foi o primeiro sucesso de Lin-Manuel Miranda, criador da também aclamada peça Hamilton (2015). Em 2008, a obra recebeu 13 indicações ao Tony Awards e conquistou quatro estatuetas, incluindo Melhor Musical e Melhor Partitura.

A adaptação às telas não desaponta, com direção de Jon M. Chu (“Podres de Ricos”), o espectador se encanta com grandes números musicais e cores vibrantes. Algumas músicas, detalhes e personagens foram alterados da peça original, mas sua essência permanece. O uso de planos e enquadramentos fechados traz uma riqueza de detalhes que não era possível nos palcos. Essa característica comunica a especificidade cultural latina, trazendo aconchego e identificação para o espectador latinoamericano, que vê sua cultura e cotidiano nas telonas, muitas vezes, pela primeira vez.

A história retrata as vidas de moradores de Washington Heights, um bairro predominantemente latino em Nova York, e se passa em três dias, seguindo uma contagem regressiva para um apagão que atingirá todo o bairro. Além de retratar temas atemporais e leves como romances e sonhos, In The Heights também aborda questões socialmente relevantes como a imigração latina, a gentrificação e o racismo. A narrativa embalada por canções é guiada por Usnavi (Anthony Ramos), um jovem morador do bairro que possui uma mercearia e sonha com uma vida melhor em seu país de origem, a República Dominicana.


A importância de um blockbuster latino


Hollywood, por muitos anos, tem reforçado a "uni-significação" de pessoas latinas a partir de personagens com pouca complexidade que se resumem a comportamentos mínimos e até mesmo caricatos. Os tão comuns estereótipos acabam fomentando uma imagem degradante, ofensiva e limitadora de uma população extremamente plural.

É importante ressaltar que, nos Estados Unidos, a palavra latino adquiriu um valor de identidade com um sentido diferente, que inclui sua relação com o conceito “hispânico”. Portanto, hispânico refere-se a pessoas que falam espanhol ou são descendentes de populações de língua espanhola, enquanto latino refere-se a pessoas nativas ou descendentes de países da América Latina.

De acordo com um estudo elaborado pela University of Southern California em 2014, latinos são a minoria mais sub-representada nos filmes da indústria cinematográfica norte-americana. Em controvérsia, segundo o Censo de 2018, hispânicos e latinos são um dos grupos de mais rápido crescimento nos Estados Unidos e já somam mais de 60 milhões de pessoas. A falta de retratos realistas de latinos na mídia foi que inspirou Lin-­Manuel Miranda, em seu segundo ano de faculdade, a criar o musical. “Eu não via tantos papéis para nós, latinos. Então, comecei a escrever o meu próprio show dos sonhos”, afirmou em entrevista à Revista Veja.


“Paciência e fé”: pessoas comuns em busca do sonho americano


Um dos principais temas e obstáculos enfrentados pelos personagens é a gentrificação urbana. O termo remete a um processo de transformação que “expulsa” moradores de bairros periféricos e transforma essas regiões em áreas nobres, com custo de vida mais elevado. Logo ao início do filme é levantada a questão de que muitos moradores estão sendo forçados a se mudar e retirar seus comércios de Washington Heights devido a um aumento no aluguel.

Mesmo diante de dificuldades, contratempos e planos frustrados, os sonhos e a luta para conquistá-los constituem os temas centrais do longa. Personagens como Abuela Claudia (Olga Merediz), uma idosa que tem um papel matronal no bairro, e Sonny (Gregory Diaz IV), um adolescente de dezesseis anos “apadrinhado” por Usnavi, retratam as diferentes faces e gerações da persistente imigração latina em busca de uma vida melhor.


“Eu me lembro de noites, problemas nas ruas, fome nas janelas
Mulheres dobrando roupas, brincando com meus amigos na chuva de verão
Mamá precisa de um emprego, Mamá diz que somos pobres, ela diz: Vamos a Nueva York
E Nueva York estava longe
Mas Nueva York tinha trabalho e então nós viemos”

O trecho faz parte da emocionante canção “Paciencia y Fe”, onde Abuela Claudia relembra sua dura trajetória da periferia cubana até Nova York quando ainda criança, no ano de 1943. Dificuldades com o idioma, subempregos e condições de moradia precárias são citados pela personagem enquanto reflete sobre a “conquista” do sonho americano que herdou de sua mãe. Todos esses aspectos ainda ilustram a realidade de inúmeros imigrantes dos dias atuais.


Conquista de espaços e luta contra o preconceito


Outra personagem com arco narrativo de destaque é Nina (Leslie Grace). A jovem é a primeira da comunidade a ir para a faculdade, por isso é vista com muita admiração. Sua inteligência e esforço a levam a cursar Direito em Stanford, uma das mais prestigiosas universidades dos Estados Unidos, mas ela esconde de sua comunidade todo o preconceito que enfrenta em um ambiente elitista. Quando retorna ao bairro onde cresceu, ela está decidida a abandonar seus estudos e um importante detalhe é que sua aparência está “adequada” ao local onde vivia: cabelos alisados e roupas de tons escuros e neutros mascaram sua identidade afro-latina.

Ao longo do filme, Nina retorna às suas origens e o espectador pode acompanhar sua transformação. Por meio de todos os personagens e suas histórias, a principal lição que o filme nos traz é de que com “paciência e fé”, sempre se pode recomeçar, continuar e enfrentar todos os desafios. Além disso, são ressaltadas a importância do senso de comunidade e da valorização de suas raízes.


A mudança visual de Nina (Leslie Grace) em seu reencontro com sua identidade

"Em um Bairro em Nova York" agradou a crítica especializada, atingindo 96% de aprovação no Rotten Tomatoes. Em contraste, a superprodução musical arrecadou US$ 4.20 milhões em seu último final de semana de exibição nos Estados Unidos. O filme teve uma bilheteria total de US$ 19.66 milhões na América do Norte, quantidade menor que o esperado. Mesmo com lucros abaixo da expectativa, a grandiosidade do filme é inegável e certamente servirá de referência quando se trata de representação latina em Hollywood.


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