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O papel do fotojornalismo em Guerra Civil

  • Foto do escritor: Julia Portilho
    Julia Portilho
  • 16 de jun. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 18 de jun. de 2024

Três jornalistas na Casa Branca se preparando para cobrir a captura do então presidente dos Estados Unidos
Com dois meses de lançamento, Guerra Civil se consagrou como a maior bilheteria do estúdio A24.

Guerra Civil, de Alex Garland, foi lançado mundialmente em abril e chama a atenção, entre muitos motivos, por contar com o astro nacional Wagner Moura, que tem um papel de destaque no filme. O longa se passa em um futuro distópico onde os Estados Unidos como conhecemos é dividido em uma guerra civil.


A trama vai acompanhar a história de um jornalista, uma fotojornalista e uma aspirante à profissão que tem como objetivo ir para Washington capturar o momento da prisão do então presidente por um dos grupos rebeldes. Durante o filme, os jornalistas documentam a queda da república e os horrores provocados pela rebelião ao redor do país.


O mais assustador é notar que todo o cenário de guerra não é mera ficção e está acontecendo em vários lugares do mundo, como a guerra entre Ucrânia x Rússia e Israel x Palestina, ou até conflitos menos divulgados pela mídia, como a guerra civil em Mianmar e em Mali. O ponto de convergência, seja na ficção ou realidade, é a importância dos jornalistas para narrar e registrar fatos históricos.


Afinal, se não fossem os jornalistas, tudo se perderia ao longo da história? Quem mais noticiaria a população sobre o que está acontecendo? 


[AVISO DE SPOILER] No entanto, o filme gera alguns questionamentos. Quando a aspirante a jornalista enfim consegue a tão esperada foto da carreira - o momento exato do assassinato do presidente -, uma dúvida surge: quais os limites entre documentar fatos e espetacularizar cenas de sofrimento humano?


uma jovem sentada escostada em muro segurando uma câmera fotografica enquanto militares passam armados em sua frente com um prisioneiro
Jessie busca o registro que irá dar o pontapé inicial em sua carreira, mas enfrenta dificuldades para cumprir a missão enquanto tenta lidar com os horrores provocados pela crueldade humana na guerra.

Entrevista

A difícil tarefa de tentar responder a essas perguntas moralmente complexas fica a cargo de Adriana Ferreira, mestre em Fotografia e Cinema e professora de Fotojornalismo da PUC Minas. A fotógrafa atua desenvolvendo projetos artísticos, que unem a fotografia digital às técnicas históricas da fotografia, temas relevantes em Guerra Civil.


1- Em um mundo onde conflitos armados e guerras civis são uma realidade constante, como você vê o papel do fotojornalismo na preservação da memória histórica?


Adriana: O fotojornalismo tem um papel primordial na manutenção de fontes de informação confiáveis. O que é especialmente importante no mundo atual, em que convivemos com imagens geradas por IA e todo tipo de manipulações de imagem e ideológicas.


2- O filme "Guerra Civil" retrata jornalistas documentando a queda de uma república. Na sua opinião, como a fotografia pode influenciar a percepção pública e a opinião sobre eventos históricos?


Adriana: Bem, isso já aconteceu várias vezes. Um dos conflitos em que a ação dos fotojornalistas mais se destacou foi a Guerra do Vietnã. A TV já mostrava imagens em movimento, mas além de serem em preto e branco, elas também sofriam censura tanto no momento de captação - pois as câmeras eram grandes e fáceis de serem percebidas -, quanto no momento de exibição das imagens previamente editadas. Enquanto o fotojornalismo ganha cores nas revistas ilustradas e traz "imagens mais realistas" da guerra. Isso mobilizou a opinião pública fortemente para o término do conflito.


3- Quando a aspirante a jornalista fotografa o momento exato do assassinato do presidente, o filme levanta a questão da espetacularização da dor. Como equilibrar a necessidade de documentar eventos históricos com a responsabilidade de não explorar o sofrimento humano?


Adriana: Susan Sontag em Diante da Dor dos Outros levanta exatamente essa questão. Ela diz que "a primeira justificativa para as fotos brutalmente claras, que obviamente violavam um tabu, residia no puro dever de registrar [...]". Então, é importante que a fotojornalista consiga mostrar o que está acontecendo de maneira clara. É a sua obrigação, ela está ali para isso. [..] As pessoas dependem dela!.


"Ela é a testemunha ocular, que vai levar a sua percepção, a sua visão para informar a sociedade"

4- Como você acredita que os fotojornalistas podem capturar imagens impactantes sem desumanizar os sujeitos fotografados?


Adriana: Respeitando os fotografados, essa é a principal premissa! Aquela máxima, "trate o outro como gostaria de ser tratado". Então, é mostrar os fatos, mas respeitando os sujeitos como pessoas, com famílias e história.

Jornalistas em trincheira de batalha na região de Donbass, no leste da Ucrânia (NurPhoto/Getty Images)

5- "Guerra Civil" reflete realidades de guerras contemporâneas como a na Ucrânia e Palestina. Como a ficção pode ajudar a sociedade a entender melhor a importância do fotojornalismo em contextos de guerra?


Adriana: Acho que esse filme defende a presença e a importância do trabalho do fotojornalista, assim como mostra o por trás das câmeras, sem o glamour que as pessoas acham que existe. Pode funcionar como uma chamada de atenção da sociedade para a importância desse trabalho.


6- Na sua experiência como professora, quais são as competências essenciais que um fotojornalista deve desenvolver para lidar com os desafios éticos e emocionais da profissão?


Adriana: Resiliência, responsabilidade, ética são características muito importantes para um bom trabalho jornalístico. Em casos onde o profissional lide diretamente com situações de vulnerabilidade social, aconselho apoio psicológico. Um grande fotojornalista brasileiro, Sebastião Salgado já esteve acometido por depressão, ao registrar pessoas em êxodo e literalmente morrendo de fome no deserto. Segundo ele "não é possível fotografar o ser humano sem se envolver profundamente. Você pode até encostar na superfície de uma ação e fazer um registro. Agora, fotografar mesmo, não. Para contar uma história, você tem que se integrar a ela".


7- A tecnologia facilita o registro e a disseminação de imagens, mas também pode gerar manipulação. Como os profissionais podem garantir a veracidade das imagens e informações que compartilham?


Adriana: Há na história do fotojornalismo muitas situações de manipulação ideológica das informações a partir da forma como as imagens eram compartilhadas. Então, sempre houve o risco de manipulação das informações. A associação a agências de notícias confiáveis ajuda a garantir a veracidade das informações compartilhadas pelos jornalistas e fotojornalistas.


Fotografias que marcaram a história

Seja tirada por um fotojornalista, um fotógrafo ou apenas um cidadão, a fotografia é vital para a manutenção do registro histórico para as futuras gerações. A evolução tecnológica tem permitido que qualquer pessoa capture momentos assim que acontecem, principalmente, com uso dos celulares.


Isso tem modificado o modo de se fazer jornalismo e incluído os espectadores na atividade jornalística. Os veículos de comunicação mantém contanto constante com as pessoas, tendo criado canais de comunicação diretos com o público, como a disponibilização de um número de WhatsApp para o envio de informações para serem checadas e fotografias de acontecimentos do cotidiano.


Contudo, quando essa dinâmica ainda era quase restrita à profissionais, tivemos registros que se tornaram parte da história, conhecidas mundialmente e responsáveis por retratar realidades diferentes ao redor do globo.



  1. A fotografia do fotojornalista Orlando Brito ilustra o fechamento do Cogresso Nacional em Brasília pelo AI-5 em 1968 (Foto: Acervo Instituto Moreira Salles).

  2. Ganhadora de um prêmio Pullitzer, a fotografia de 1993 do fotógrafo Kevin Carter mostra a gravidade da fome no sul do Sudão.

  3. Tirada em 1989 por Jeff Widener, a foto virou símbolo da rebelião de um estudante contra a repressão do exército chinês, tirada em uma manifestação a favor da liberdade.

  4. Considerada a fotografia mais marcante e importante da Guerra do Vietnã (1955-1975), foi tirada por Nick Ut e mostra a menina Kim Phuc nua, correndo, após explosão. Posteriormente, o fotógrafo recebeu um prêmio Pullitzer pelo registro.

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