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"Ginny & Georgia": série aborda temas importantes sem perder a leveza

  • Foto do escritor: Letícia Anacleto
    Letícia Anacleto
  • 1 de abr. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualizado: 6 de mai. de 2021


"Ginny & Georgia" (2021)

Conhecida como a “Gilmore Girls” dos dias atuais, “Ginny & Georgia” é a mais nova aposta de série da Netflix, abordando o relacionamento entre mãe e filha. A produção é leve e divertida para passar o tempo e, apesar disso, não foge de assuntos extremamente relevantes para a sociedade. Temas como racismo, homossexualidade, sexo, padrões de beleza e automutilação são constantemente abordados de forma suave e não romantizada.

Por conta disso, a série foge do estereótipo de teen, mas ao mesmo tempo, consegue alimentar a vontade daqueles que gostam das histórias de adolescentes. A trama começa quando Georgia se muda para uma nova cidade com seus filhos, Ginny e Austin. A jovem, de 15 anos, vai passar por novas experiências de adaptação à escola, amigos e interesses românticos ao mesmo tempo que passa por problemas pessoais e familiares.


O racismo


Como uma protagonista negra, Ginny nunca cala sua voz e em situações que acha necessário, sempre consegue se impor. Mesmo sendo novata na escola, a menina não se intimida e questiona seu professor de literatura sobre a inexistência de livros escritos por mulheres e negros na lista de leitura dos alunos. Isto logo após ele subestimar as capacidades da jovem em permanecer nas aulas de literatura avançada e de fazer uma prova sobre o livro “As Bruxas de Salém”.

A publicitária, doutoranda em Comunicação Social pela UFMG e Mestre em Comunicação pela PUC Minas, Dalila Musa, conta que, para uma pessoa sair da sua própria bolha, é essencial consumir teorias, livros e conteúdos de minorias da sociedade. “Uma das formas de combate ao racismo é começar a observar a baixa incidência de pessoas negras nos conteúdos de escolas, como a cultura africana não é abordada e começar a ir atrás disso”, ressalta Dalila.

Esse movimento de pesquisa é muito importante porque o contato com outras experiências, para além das próprias, vai causar uma reflexão sobre a situação do outro. A publicitária explica que para um combate antirracista efetivo é necessária a busca por informações, mas a branquitude é acomodada apenas em sua realidade: “Ao não se sentir incomodado e não buscar essas referências (de pessoas negras), você está sim confabulando com uma perpetuação do racismo. Silêncio também é um tipo de posicionamento”, aponta.

“Eu não sou racista, até votei no Obama” é o que diz o professor ao ser acusado de racismo por Ginny, que se sentiu prejudicada por não ter sua redação escolhida para participar de um concurso. Situações como essa também são muito comuns fora da ficção, em que pessoas negras têm suas capacidades constantemente subestimadas e desvalorizadas .

A negação do racismo é muito comum e reflete a falha das pessoas ao lidar com o racismo, enquanto estruturante da sociedade. Dalila conta que ainda existe um movimento muito forte de achar que todos vivem em plena harmonia negando o racismo e as situações causadas por ele. “O racismo é cotidiano, estrutural, então por mais que pessoas brancas não tenham falas diretamente racistas, como chamar alguém de ‘macaco’, o racismo está nas nossas relações”, diz a doutoranda.

Assim, Dalila acredita que é impossível dizer que uma pessoa não seja racista, tendo em vista a sociedade em que todos estão inseridos, que já é estruturalmente preconceituosa com negros. Isso condiciona as pessoas a serem racistas e, negar esse preconceito, atrapalha o processo de reflexão. “A partir do momento em que as pessoas passam a entender que elas são racistas, a aceitar quando pessoas negras apontam esse racismo e a trabalhar contra ele, a gente vai ter uma mudança efetiva”, comenta a publicitária.

Durante sua adaptação na escola nova, a protagonista faz apenas amigas brancas, até porque o número de pessoas de diferentes raças naquele ambiente é escasso. Diversas vezes ela reflete sobre seu lugar social dentro daquele grupo, seja quando tentam pentear seu cabelo cacheado e não conseguem, ou quando ela se veste no Halloween de Britney Spears, do clipe “Baby one more time”, para combinar com suas amigas.

Ginny vestida de Britney Spears em uma festa de Halloween

Dentro de um grupo majoritariamente composto por brancos, Ginny tem seu lugar social muitas vezes ofuscado. “Nós nos construímos enquanto negros dentro de um mundo inteiro pensado, idealizado e constituído para pessoas brancas”, aponta Dalila, e continua: “Desde muito novos, nós lidamos com essa questão de sermos pessoas negras tentando se constituir dentro de um mundo que nega, apaga e silencia nossa identidade e que é constituído para brancos”.

Ginny desabafa que não consegue se encaixar, pois, segundo ela, em um grupo de brancos ela é vista como “muito negra” e em um grupo de negros ela é vista como “muito branca”. O colorismo é uma forma de discriminação pela cor da pele que diferencia as várias tonalidades da pele negra, do tom mais claro ao tom mais escuro. Essa questão é muito comum em países que passaram pela colonização europeia, como o Brasil. “Já que nós somos um país que foi forjado em cima do estupro de mulheres negras e indígenas, a gente teve uma miscigenaçao muito grande da população”, explica Dalila.

Pessoas negras com tons de pele mais clara, muitas vezes crescem tentando atingir um paradigma branco e acabam se sentindo ignoradas por pessoas negras. Dalila conta que essa situação é como uma “zona cinza”, que remete a um lugar de não pertencimento. Segundo a doutoranda, as pessoas devem buscar estudar sobre o assunto e se informarem “para que a gente saia dessa binaridade de só falar em branco e negro e comece a entender que existe todo um espectro de cores e etnias pelo meio do caminho”, ressalta.

"Sempre me acham muito negra para as garotas brancas e muito branca para as garotas negras"

A sexualidade e o sexo


A primeira amiga que Ginny faz na escola é Max, uma personagem lésbica que se apaixona duas vezes durante a série e até mesmo chega a namorar. A sexualidade é dada na série assim como deveria ser: algo normal. A família e as amizades de Max são receptivas e o fato da jovem gostar de meninas não é uma questão. Isso permite que os romances da garota aconteçam de forma totalmente natural.

Max é extrovertida, amigável e insegura, características típicas de uma adolescente no ensino médio. A aceitação de sua família faz com que sua história não caia no clichê de busca por aceitação, geralmente abordado por outras obras teen. Em momento algum a sexualidade de ninguém é vista com preconceito e todos os personagens parecem atualizados sobre temáticas como a LGBTQIA+.

Isso também traz a tona a questão do sexo na adolescencia, que é, geralmente, a fase da vida em que as pessoas começam a explorar novas experiências. Max tem a “primeira vez” com sua namorada e o assunto debatido sobre isso é a insegurança, comum a praticamente todos que vão ter vivência do sexo pela primeira vez. A menina queria que tudo fosse perfeito, com música ambiente e velas aromáticas, mas seu par romântico logo reparou que tudo isso era bloqueio para o medo e ansiedade.

A romatização do sexo acontece em muitos produtos midiáticos e é muito prejudicial, pois cria expectativas exageradas na cabeça de jovens, que esperam por relacionamentos perfeitos e, muitas vezes, recebem o oposto. Além de Max, a série também não romantiza o primeiro contato de Ginny com o sexo. A protagonista acaba se relacionando com alguém que não estava apaixonada, num momento totalmente inesperado, sem pétalas de rosas espalhadas pela cama ou declarações de amor.


Problemas pessoais


“Ginny e Georgia” mostra pessoas imperfeitas da ficção com problemas da vida real. Por mais que aparente estar feliz, cada personagem passa por situações difíceis em seu íntimo em algum momento. Abby faz parte do grupo de amigas de Ginny e, além de enfrentar sozinha a situação de divórcio dos pais, a garota ainda tem insegurança com seu corpo. Para tapar suas “imperfeições” Abby passa uma fita adesiva ao redor de suas coxas e usa uma calça jeans durante uma festa do pijama da escola.

Marcus, o interesse amoroso da protagonista, também não foge dos traumas. A princípio o garoto aparenta ser o típico rebelde inconsequente, mas surpreende ao contar sua história de superação quando seu melhor amigo morreu. Com o choque decorrente da situação de perda, Marcus se fecha para todos, conseguindo expor seus sentimentos e sua sensibilidade, depois de muito tempo, apenas para Ginny.


Marcus e Ginny conversando no banheiro da escola

Os problemas não fogem à protagonista que, frequentemente, se automutila com o auxílio de um isqueiro quando alguma coisa a abala. A série coloca situações que servem de gatilho para a personagem cometer tal ato, mostrando que na vida real o mesmo pode acontecer com qualquer pessoa que, geralmente, sofre calada. Quando exibida a situação de Ginny, os episódios disponibilizam um site de ajuda para aqueles que lutam com pensamentos de automutilação.

Assim, a produção busca fazer uma reflexão sobre os problemas pessoais de cada personagem, como a insegurança, o luto e a depressão. Esses são temas “invisíveis” na sociedade, pois as pessoas acabam não expondo seus sofrimentos facilmente. Isso pode levar a situações alarmantes e, por isso, o assunto deve ser debatido, assim como a série faz: de maneira informativa, suave e responsável.





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