"Moxie" e o resgate do movimento Riot Grrrl
- Dara Russo
- 30 de mar. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 28 de abr. de 2021

O filme “Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta”, lançado em 3 de março de 2021 é a aposta da Netflix para familiarizar as novas gerações com o movimento feminista. O longa, dirigido pela atriz, comediante, produtora e roteirista estadunidense Amy Poehler é baseado no livro homônimo publicado por Jennifer Mathieu em 2018. Este é o segundo crédito de Poehler por trás das câmeras no cinema.
A trama acompanha Vivian (Hadley Robinson), uma adolescente de quinze anos que, até então, se sentia invisível e preferia não demonstrar quaisquer posicionamentos. Inspirada por sua nova colega de classe, Lucy (Alycia Pascual), que é confiante e não leva desaforos para casa, a protagonista desperta para a realidade sexista de sua escola. Resgatando os ideais de sua mãe (interpretada pela própria Amy Poehler), que fez parte do movimento Riot Grrrl em sua juventude, Vivian decide ir à luta e transformar sua indignação em manifesto ao criar uma “zine” que denuncia desde um “ranking de garotas” feito pelos rapazes, até o injusto policiamento de vestuário ao qual as alunas são submetidas.
Riot Grrrl, zines e música punk
No início da década de 90 no estado de Washington, Estados Unidos, surgiu um movimento punk feminista da contracultura chamado Riot Grrrl. As principais figuras que impulsionaram o pensamento foram as bandas punks lideradas e formadas por mulheres, como Bikini Kill, Bratmobile e Hole. Kathleen Hanna, a vocalista da Bikini Kill, popularizou a frase “Girls to the Front” (“Meninas na Frente”), que se tornou um lema para o estopim do movimento. Inicialmente, o comando era direcionado aos homens do cenário indie-rock: “abram espaço para que as mulheres possam ficar à frente do palco durante os shows”.
Entretanto, a expressão foi ressignificada por acabar resumindo o sentimento de urgência da época de ter mulheres ocupando espaços: nas músicas, nos palcos e na sociedade de modo geral. Assim, utilizando da onomatopeia que indica raiva “grrr”, na formação da palavra “girl” (garota), surge o Riot Grrrl, que em tradução livre seria algo como “Garota da Rebelião” ou “Garota Rebelde”.
O principal meio de divulgação dessas ideias eram as zines. O termo vem de fanzine, aglutinação de fan magazine (revista de fãs). As zines são uma espécie de revistas independentes e não profissionais que foram popularizadas na divulgação de trabalhos artísticos. Em 1970, o movimento punk adotou a prática como uma ferramenta de comunicação e resistência para a divulgação de críticas sociais.
A partir dessa divulgação, de linguagem acessível e de baixo custo, e dos próprios shows das bandas, o Riot Grrrl reuniu diversas mulheres que se identificaram com suas ideias. Um dos primeiros manifestos foi escrito por Kathleen Hanna e circulou na universidade Evergreen State em 1991. Nele, Hanna exalta as potencialidades das mulheres e afirma: “eu acredito com todomeucoraçãocabeçacorpo que garotas constituem uma força revolucionária, que podem, e irão, mudar o mundo de verdade”.
"PORQUE nós garotas desejamos fazer discos e livros e fanzines que falem a NÓS e que NÓS nos sentimos incluídas e possamos entender isso de nossas próprias maneiras.
PORQUE nós queremos facilitar para garotas verem/ouvir o trabalho uma das outras, para que a gente possa compartilhar estratégias e criticar-aplaudir umas às outras.
PORQUE nós devemos assumir os meios de produção para criarmos nosso barulho.
PORQUE vendo nosso trabalho como sendo conectado com as vidas reais e as políticas das nossas amigas é essencial que entendamos que estamos impactando, refletindo, perpetuando ou ROMPENDO com o status quo".
(trecho do "Riot Grrrl Manifesto" traduzido para o português por Carla Duarte)

Dos anos 90 para 2021
Jennifer Mathieu, autora de Moxie, contou em entrevista ao blog Screen Queens que seu interesse pelo feminismo (que começou quando adolescente) e seu amor pelas zines e o Riot Grrrl a inspiraram a escrever seu livro. “Na subcultura da música punk que eu gostava, garotas falavam sobre igualdade de gênero e feminismo e elas faziam zines, já que isso era antes da internet, e elas as trocavam para aprenderem mais sobre esses movimentos e ideias”, afirmou. A escritora também fazia sua própria zine, chamada “Jennifer”, quando estava na faculdade.
Nos dias atuais o feminismo está mais em voga e é perceptível que o movimento não é mais algo restrito apenas à contracultura. Associado pelo capitalismo, o movimento feminista tornou-se também um produto. Por isso, é ainda mais relevante a existência de um filme voltado ao público teen que busca explicar o lado revolucionário e anticapitalista da chamada “terceira onda do feminismo”.
Por outro lado, as principais críticas ao filme residem justamente na contradição entre a essência do Riot Grrrl e a Netflix, uma das maiores empresas de entretenimento do mundo. Além disso, o longa possui um elenco muito diverso: existem personagens negras, latinas, asiáticas, LGBTs, PCDs, entre outras. Mas, apesar de toda a aparente diversidade, a protagonista, Vivian é branca, loira e heterossexual. É possível supor que isso acontece pelo fato de esse tipo de protagonista ainda ser mais aceito do que uma protagonista de cor e/ou LGBT, como Lucy, a amiga que inspira Vivian.
Ainda no âmbito das críticas negativas, algumas falas ao início do filme podem soar um pouco artificiais ou forçadas para aqueles que já possuem alguma familiaridade com o movimento. O longa também trata de alguns assuntos de forma superficial. Porém, por ser voltado ao público teen, o filme aparenta usar essa superficialidade de forma consciente: para apresentar o feminismo a um público possivelmente mais resistente e instigá-lo a conhecer mais sobre o movimento. Desse modo, tal como as zines, o filme tem linguagem simples - simplifica o movimento através do olhar de uma menina de quinze anos.
O Jornalismo em Cena também preparou uma playlist especial com alguns clássicos do Riot Grrrl:
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