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O contraste entre justiça poética e realidade em "Bela Vingança"

  • Foto do escritor: Dara Russo
    Dara Russo
  • 13 de abr. de 2021
  • 5 min de leitura

Atualizado: 28 de abr. de 2021

Promising Young Woman (2020) / Focus Features

“Bela Vingança” ou no título original “Promising Young Woman” (Jovem Mulher Promissora, em tradução literal) é um filme dirigido, escrito e co-produzido pela britânica Emerald Fennell (essa é sua estreia como diretora). Lançado no Brasil em 8 de abril, o longa conta a história de Cassandra ‘Cassie’ Thomas (Carey Mulligan), uma mulher na casa dos 30 anos que abandonou a faculdade de medicina e trabalha em uma cafeteria. Assombrada por traumas do passado, Cassie vive uma vida dupla: durante as noites abandona o cenário pastel de seu trabalho e vai para bares ou boates, onde finge que está extremamente bêbada para testar homens que querem se aproveitar sexualmente de mulheres intoxicadas.

O longa, que pode ser descrito como uma mistura de suspense, drama e humor ácido, recebeu cinco indicações à 93ª cerimônia do Oscar, incluindo melhor filme, melhor diretor e melhor atriz para Carey Mulligan. Também foi indicado em quatro categorias no 78º Golden Globe Awards e ganhou o BAFTA (British Academy Film Awards) por Melhor Filme Britânico e Melhor Roteiro Original. A indicação de Fennell na categoria de melhor direção já fez história: pela primeira vez duas mulheres concorrem a melhor direção (a outra é Chloé Zhao, com “Nomadland”). Em quase um século de cerimônia, apenas sete diretoras foram indicadas na categoria e só Kathryn Bigelow venceu, por “Guerra ao terror, em 2010.


Um raio-x da cultura do estupro


“Bela Vingança” também tem um quê explicativo. Inicialmente, as táticas de Cassie não são violentas, ela apenas quer fazer com que aqueles homens reconheçam seu comportamento predatório. Mesmo aqueles que se consideram “caras legais” acabam agindo de forma oportunista frente à uma mulher fora de seus sentidos. Frases como “você está segura aqui” e “estamos nos divertindo, não é?” são utilizadas por vários dos homens que a levam para casa com o pretexto de “ajudá-la”, enquanto a embebedam ainda mais.

Sob os feixes de luzes de uma boate, a cena inicial do longa é a representação perfeita da cultura do estupro intrínseca à nossa sociedade. Cassie está sozinha, com roupas sociais bagunçadas, maquiagem borrada e aparenta estar tão bêbada que mal consegue manter seus olhos abertos. Um grupo de homens a observa de longe: “você sabe que elas mesmas se colocam em perigo, garotas assim”; “com essa idade elas já deveriam ter aprendido não é?”; “ela está pedindo por isso”.

As frases, infelizmente ainda tão comuns, são repreendidas por Jerry (personagem de Adam Brody), o que provoca certo alívio no espectador. Ele manda seus amigos embora, vai checar se Cassie está bem e a oferece uma carona de volta para casa. “Ufa, esse passou no teste”, “tinha de haver pelo menos um cara legal para ajudá-la” são dois dos pensamentos que podem cruzar nossas mentes, mas o roteiro de Fennell nos surpreende: para Jerry o suposto estado de Cassie e a relutância da mulher não invalidam seu consentimento. Sua ajuda e seu jeito de “cara legal” não passavam de uma fachada.


- “É o pior pesadelo de todo cara ser acusado de uma coisa assim”

- “Você pode adivinhar qual é o pior pesadelo de toda mulher?”

(Diálogo entre o personagem Al Monroe e Cassie)


Mais adiante, o filme ainda traz questões como a impunidade institucional em casos de violência sexual e a influência de ideais patriarcais na construção da mentalidade social. Um exemplo da última problemática é a complexa personagem Madison (Alison Brie). Até o encontro de Cassie e Madison, o filme pode parecer uma válvula de escape, uma espécie de justiça poética por toda raiva e indignação sentidas por mulheres de todo o mundo.

É gratificante assistir uma heroína se vingar de todos os homens por seus comportamentos violentos. Mas o que acontece quando um expoente perpetuador dessa violência é outra mulher? Madison é a peça chave que faz a história ir além de uma perspectiva equivocada de “homens X mulheres'' que poderia ser utilizada por críticos do filme. A cena impactante do jantar entre as ex-colegas de escola demonstra também a misoginia internalizada em muitas mulheres, que preferem descreditar outras mulheres e apoiar homens.

Atenção! A partir daqui a crítica pode conter spoilers!

O final e a dura realidade de ser mulher

Como é explícito de forma semi-irônica em seu título original, Cassie era uma jovem promissora, a primeira de sua turma em medicina. Ao longo do filme, acompanhamos seus planos e só assim entendemos o que a fez abandonar a faculdade e toda uma vida socialmente desejável: sua melhor amiga, Nina, foi estuprada em uma festa da faculdade e nenhum dos culpados foi responsabilizado. Eventualmente, Nina comete suicídio e Cassie assume seu papel de justiceira. Com isso, a personagem principal não sai da casa de seus pais, “desperdiça seu potencial” trabalhando em uma cafeteria e nem mesmo tem relacionamentos. Sua vida agora gira em torno de vingar a morte da amiga.

Após inúmeras reviravoltas, decepções e pequenas vinganças, Cassie arquiteta seu plano final. Ela descobre que Al Monroe (Chris Lowell), seu ex-colega de classe que violentou Nina, irá realizar uma festa de despedida de solteiro em uma cabana isolada, junto de todos os outros homens que foram cúmplices de seus atos. Essa é a oportunidade perfeita para a protagonista fazer justiça por tudo que aconteceu com sua amiga. Ela agora assume a identidade de uma stripper, por ironia fantasiada de enfermeira, e vai, sozinha, ao encontro de sua tão almejada vingança.

Cassie leva Al para o quarto, o algema na cama e o faz lembrar dos terríveis atos cometidos contra Nina. Ela deseja uma confissão, deseja arrependimento, quer cravar o nome de Nina com um bisturi médico no corpo do agressor. O homem inicialmente nem mesmo se lembra de Nina ou Cassie, chora e usa o argumento de que “éramos apenas crianças”. Mas, quando acreditamos que Cassie ficará satisfeita e poderá enfim seguir em frente, o longa nos desestabiliza.

Al consegue se livrar de uma das algemas e sufoca Cassie com um travesseiro. Em seguida, ele pede ajuda de seus amigos, que apenas o ajudam a desovar o corpo da “stripper” na floresta. Para o espectador é um choque. A pessoa por quem torcemos durante 1 hora e 54 minutos é assassinada nas cenas finais. “É claro que quando comecei a escrever… Eu, como qualquer espectador, queria que terminasse com ela indo embora, a cabana em chamas atrás dela e sirenes à distância. Mas então eu entrei no lugar e apenas não pareceu possível”, disse Emerald Fennell ao LA Times.

Cassie entrou sozinha em uma casa isolada repleta de homens com histórico de violência. “Apenas não pareceu nem um pouco real. Pareceu completamente impossível e pareceu como uma mentira”, completou Fennell sobre sua subversão do final satisfatório dos filmes do gênero vingativo. Mesmo com a morte de Cassie, o espectador não é deixado de mãos abanando. A protagonista era inteligente o suficiente para saber de suas chances, não se tratava de uma missão suicida, como alguns podem pensar. Mesmo com tudo estruturalmente contra si, Cassie estava furiosa o suficiente para se arriscar, mas não se deixou cegar pela sede de vingança. Ela tinha um plano B.

Antes do fatídico encontro, Cassie havia reunido provas em vídeo e áudio do crime cometido contra Nina e as enviou a um advogado com uma carta que explicava a situação. A cena final mostra Al e todos os seus amigos da faculdade sendo presos durante o casamento do agressor. “Bela Vingança” nos apresenta uma forma de justiça, mas não aquela que desejamos desde o início do filme, deixando no fundo de nossas bocas o gosto amargo da dura realidade feminina.


Promising Young Woman (2020) / Focus Features

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