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"The Morning Show": os bastidores do jornalismo na era #MeToo

  • Foto do escritor: Dara Russo
    Dara Russo
  • 28 de abr. de 2021
  • 5 min de leitura

Atualizado: 29 de abr. de 2021


The Morning Show (2019) / Apple TV+

Lançada no final de 2019 pelo serviço de streaming Apple TV+, que ainda é pouco conhecido no Brasil se comparado a seus concorrentes, “The Morning Show” é uma envolvente série dramática. Ao longo de 10 episódios, sua primeira temporada retrata os bastidores de um grande programa matinal fictício e os efeitos de um ambiente de trabalho competitivo, duro, misógino e até mesmo hostil. Uma das personagens centrais da trama é Alex Levy (interpretada por Jennifer Aniston), a co-âncora do The Morning Show é uma profissional veterana amada pelo público. A vida de Alex então entra em crise quando seu amigo e co-apresentador Mitch Kessler (Steve Carell) é demitido acusado de má conduta sexual.

Outra figura central na narrativa (que é repleta de grandes nomes do cinema e televisão) é Bradley Jackson (Reese Witherspoon), uma repórter interiorana de uma pequena emissora que viraliza na internet após gritar com seu entrevistado na realização de uma matéria em defesa do meio-ambiente. Bradley é abrasiva e idealista, se mostrando o yang para o ying da personagem de Aniston, que é séria e contida. Com essa perspectiva em mente, Cory Ellison (Billy Crudup), o novo executivo da divisão de entretenimento da UBA, a emissora que possui o programa matinal como carro-chefe, deseja contratar Bradley para dividir a bancada com Alex após o escândalo envolvendo Mitch e, eventualmente, substituir a apresentadora veterana, quem ele julga antiquada.


Abuso e misoginia dentro e fora das telas


Ao redor do mundo, a realidade não se distancia tanto da ficção para as profissionais da indústria jornalística e do entretenimento. A jornalista e pesquisadora Janaina Moro desenvolveu uma pesquisa como mestrado, divulgada pelo Observatório da Imprensa, que revela a naturalização do assédio contra jornalistas no Brasil. Intitulado “O Impacto do Assédio Sexual e da Discriminação de Gênero na Trajetória Profissional de Mulheres Jornalistas”, o estudo ouviu cinco mulheres jornalistas do estado de São Paulo entre os anos de 2018 e 2020.

As principais conclusões tomadas na análise foram que nenhuma das empresas, dentre jornais impressos, revistas, emissoras de rádio e de televisão, disponibilizava algum canal próprio para a realização de denúncias e que as próprias jornalistas já naturalizaram o assédio. Ambas características também podem ser observadas na emissora ficcional UBA de “The Morning Show”. Ao desenrolar dos episódios, vemos o desenvolvimento das acusações contra Mitch e o medo perceptível de quase todos os funcionários de terem suas carreiras arruinadas (seja esta pessoa uma vítima que teme denunciar ou alguém que se mostrou omisso e/ou conivente aos abusos).

Bradley aparenta ser a primeira funcionária que questiona a cultura opressiva e misógina presente no estúdio e esse é um dos motivos que torna sua relação com Alex tão turbulenta. As co-apresentadoras têm, ao longo da trama, uma relação instável de “aminimigas”, oxímoro que une as palavras "amiga" e "inimiga" para descrever um relacionamento no qual há certa antipatia e rivalidade. Assim, com seus questionamentos acerca da naturalização do abuso, a novata consegue provocar todos os funcionários, incluindo o "intocável" dono da emissora, Fred Micklen (Tom Irwin).

Nesse sentido, a dualidade da personagem Alex se torna ainda mais interessante. Mesmo sendo uma profissional competente e reverenciada, por ser uma mulher com mais de 40 anos, a emissora a vê como descartável e ultrapassada. Para salvar o emprego que tanto ama e pelo qual dedicou anos de sua vida, até mesmo sacrificando seu casamento e relacionamento com a filha, ela acaba se tornando parte do problema e passa a enxergar a situação sob as mesmas lentes que seus colegas homens.


“Às vezes o controle não é dado para as mulheres, então elas têm que tomá-lo.” — Alex Levy para sua filha

Mitch Kessler X Harvey Weinstein: realidade e ficção interligadas


Outro aspecto interessante em “The Morning Show” é como a série utiliza da realidade para aproximar seu espectador ainda mais do tema retratado. O caso do produtor de cinema estadunidense Harvey Weinstein é provavelmente um dos mais repercutidos na atualidade. A trama compara-o sutilmente ao personagem Mitch Kessler, utilizando o jornalismo para isso. Em 2018 Weinstein foi condenado a 23 anos de prisão por diversas ofensas de assédio sexual e estupro.

Antes mesmo da condenação do produtor, surgiram nas mídias sociais os movimentos #MeToo e #TimesUp (#EuTambém e #JáChega em tradução literal), que se tornaram ferramentas para que mulheres denunciem abusos. Tamanha visibilidade acarretou na demissão e boicote de inúmeros homens poderosos e acusações de figuras célebres como os diretores Oliver Stone e Lars Von Trier; o agente Adam Venit e os atores Kevin Spacey, Ben Affleck, Dustin Hoffman. Na série, há uma cena em que Mitch é retratado entrevistando Weinstein sobre o caso e, após o próprio "acusador" ser também um acusado, ele afirma constantemente que suas acusações não são como as do produtor.

O jornalista sempre alega que houve consentimento em todas as suas "relações" com colegas de trabalho. Por alguns segundos podemos até acreditar que Mitch está sofrendo algum tipo de injustiça provocada pelo momento. Ele realmente acredita que suas “relações” com funcionárias subordinadas não passam de alguns casos extraconjugais. O abuso (de poder e sexual) está tão intrínseco a seu local de trabalho que, para ele e todos os homens que ali convivem, trata-se de algo normal e comum.


Racismo e a falsa sensação de diversidade


Apesar do foco da série ser a denúncia de abusos sexuais nas grandes empresas de notícias e entretenimento, a pauta racial também é abordada, ainda que em segundo plano. O personagem Daniel Henderson (Desean Terry) é um jornalista negro e extremamente competente. Os produtores da emissora constantemente reafirmam seu excelente currículo, porém, ele raramente recebe destaque e a promoção a âncora que tanto almeja. Mesmo sendo um dos melhores profissionais do estúdio, Daniel não recebe o devido reconhecimento por causa da cor de sua pele. Segundo um estudo realizado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), somente 23% dos jornalistas no Brasil são negros.

Além de Daniel, “The Morning Show” possui outros dois personagens não-brancos com alguma posição de destaque: Yanko Flores (Nestor Carbonell), de origem latina, que é o homem do tempo e Alison Namazi (Janina Gavankar), uma apresentadora e repórter de origem árabe. Alison e Daniel apresentam o programa nos dias de folga de Alex e Bradley e, como é até mesmo criticado por alguns personagens, estão ali para transmitir uma falsa sensação de diversidade. Outro detalhe relevante é que Alison tem sua imagem completamente sexualizada devido às roupas justas escolhidas pela produção.

Alison, Daniel, Alex, Bradley e Yanko (esq - dir)

Entretenimento com conteúdo


De modo geral, “The Morning Show” reflete seu tempo trazendo pautas importantes sem deixar de entreter o espectador. Não há glamourização ou vilanização do jornalismo. A trama mostra, por um lado, o amor pela justiça existente no ato de proporcionar uma plataforma a assuntos que precisam ser ouvidos, mas também as dificuldades e sacrifícios inerentes à profissão de comunicador. O jornalismo é uma amostra da sociedade e tem como função transmitir a realidade.

Assim, a série faz bem ao expor a importância do fazer jornalístico e ao mesmo tempo criticar os bastidores sombrios das grandes emissoras. Uma segunda temporada já está sendo gravada e tem sua estreia prevista ainda para 2021. Pelo menos 2 episódios novos haviam sido produzidos antes da pandemia começar e, segundo o portal Deadline, os roteiros foram reescritos para abordar o coronavírus.


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